S. Barreto
O conto mais extenso do volume de título O Circo ou poderíamos considerar uma novela? Enfim! Dividido em 3 partes não esconde a influência clara de A Revolução dos Bichos de George Orwell, um de seus autores contemporâneos favoritos. Ao passo que este tem como cenário uma fazenda na qual bichos promovem uma revolução contra seu dono o Sr. Jones; naquele o palco é um circo onde animais considerados exóticos, engendram igualmente uma rebelião com vistas a se libertarem dos desmandos opressores promovidos pela família do ambicioso Mr. Hermman. Na segunda, o motim é liderado por um porco Major; na primeira, um Macaco, sem denominação própria, mas sempre mencionado com M maiúsculo, evidenciando a proposta do autor em elevar o posto dos animais ao patamar de seres humanizados. Em suma, ambas são similares por terem como protagonistas animais, tendo os humanos como antagonistas cuja ideia principal é contestar a ideia de poder ou seja, a dominação de um grupo (minoritário) por sobre o outro (majoritário). Muito depois, o próprio autor confessa ter descoberto que o escritor britânico compôs sua fábula remetendo a uma paródia no afã de tecer suas ácidas críticas pelo qual a Revolução Russa tinha se tornado. Se soubesse disso anteriormente como autocrítica, Barreto teria contextualizado sua narrativa em referência a Revolução Cubana, que embora uma ilha, em determinado momento, obteve sua influência simbólica global. Mesmo reconhecendo o lapso, o enredo não deixa de prender atenção do público para uma mensagem bem mais nobre. Não somente escarnecer os maus tratos sofridos pelos animais; mas denunciar os mecanismos de dominação que alguns setores sociais têm feito uso; sem deixar, contudo, de propor o devido antídoto para se livrar de grilhões dessa natureza.*Tanto em O Circo, como no julgamento divino presente no posterior conto A Criação no decorrer do livro os leitores darão de cara também com julgamentos. Neste último o Todo-Poderoso Deus Onisciente percebe a forma ardilosa com que o anticristo se infiltra em Seu Reino na intenção de burlar o sistema de criação no sentido de habitar a terra com o fito de pôr em prática seu objetivo final, melhor explicitado no livro do Apocalipse. Análise jurídica do seu julgamento é um outro campo a ser explorado em se tratando desse livro especificamente, já que o autor conta com formação nessa área também. Esses e os outros dois contos menores (em tamanho) podemos já constatar presentes um dos elementos principais da literatura s.barretiana, o absurdo, caráter recorrente em toda sua obra ficcional. Destaca o filósofo e romancista Albert Camus (O mito de Sísifo. RJ: BestBolso, 2010, p. 27) sobre tal condição como: [...] aquele singular estado de alma em que o vazio se torna eloquente, em que se rompe a corrente de gestos cotidianos, em que o coração procura em vão o elo que lhe falta, ela é então um primeiro sinal do absurdo. Esse mesclado com outra categoria bastante recorrente na sua prosa o fantástico, conduz um leitor um mundo bastante desafiador. Onde e em qual momento seria facultado a um mortal a possibilidade de convencer a morte em adiar seu único objetivo pela qual foi criada? Em Negociando o Fim isso foi possível! O inconformismo com a finitude do abandonado Seu Antônio, impulsionado por seus sucessivos conflitos existenciais, em sua última e desesperadora tentativa em adiar seu fim. E logo com quem? Isso mesmo, diretamente com a morte! Assim como o anticristo quis, em vão, ludibriar Jeová; o mesmo acontece com o pobre idoso em seu insucesso infrutífero em negociar o inegociável seu fim terreno. O fantástico ocorre nesta incerteza: ao escolher uma ou outra resposta, deixa-se o fantástico para se entrar num gênero vizinho, o estranho ou o maravilhoso. O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural. (Tzvetan Todorov, Introdução à Literatura Fantástica. 3. ed.. SP: Editora Perspectiva, 2004, p. 30-31). Por fim, À Deriva, o escrito mais curto mas com forte intensidade existencialista faz referência a um, até então, passageiro de uma embarcação que decide do meio pro fim se lançar em alto mar. Talvez o texto mais autobiográfico, fala na verdade, de como uma pessoa que se sente desamparada quando decide contrariando a vontade coletiva tomar o rumo da própria vida, impingindo a si mesmo um niilismo sem fim, tal como os horizontes infindos do mar que passará a enfrentar.